Depressão é um dos problemas de saúde mental mais comuns. Mas como diferenciar tristeza, um sentimento normal, de depressão? Dr. Eduardo Tiburcio é médico de família, especialista nos problemas de saúde mais comuns e tem muita experiência no tratamento da depressão.
O que é depressão?
Junto com a ansiedade e a somatização (sintomas físicos sem uma causa orgânica que os justifique), a depressão compõe a tríade dos sofrimentos mentais comuns.
No Brasil cerca de 15,5% da população apresentará sintomas de depressão em algum momento da vida e, segundo a OMS, é a quarta principal causa de ônus relacionados à saúde.
Muitas vezes ela anda junto com a ansiedade, então, não se assuste se alguns pontos forem repetidos nos dois artigos.
Qual médico cuida da depressão?
O médico de família cuida de todas as pessoas, em todas as faixas etárias, sendo especialista nos problemas de saúde mais comuns, como a depressão, que é um dos sofrimentos mentais comuns.
Dr. Eduardo Tiburcio é médico de família no Rio de Janeiro formado pela UFRJ e tem vários anos de experiência no tratamento da depressão.
Na medicina de família, buscamos entender os valores principais do paciente para propor um cuidado específico às suas necessidades.
Isso é fundamental no tratamento da depressão, pois veremos que ele envolve muito além do que só tomar remédio.
Assim, entender os valores de cada pessoa é fundamental para que se possa reconhecer a validade do sofrimento mental e buscar o melhor acolhimento possível.
Cuidado com os estigmas!
Hoje, vivemos um “boom da saúde mental” e todo mundo conhece alguém com diagnóstico de depressão, ansiedade, TDAH, autismo, ou algum outro problema. É evidente que essas condições existem, estão crescendo e merecem atenção.
Contudo, precisamos ter muito cuidado com diagnósticos em saúde mental, pois eles podem estigmatizar e colocar limitações adicionais às pessoas. Isso pode levar a discriminação ou gerar um sentimento de incapacidade, gerando, assim, mais sofrimento!
Portanto, deve-se evitar dar diagnósticos em saúde mental com uma única avaliação. É importante um acompanhamento de longo prazo para compreender cada caso e definir adequadamente o diagnóstico que é complexo.
Separar mente e corpo minimiza o sofrimento
Se por um lado o risco da estigmatização nos alerta para o sobrediagnóstico (diagnóstico em excesso ou além do real). Por outro lado, é inaceitável minimizar o sofrimento mental, o qual é muitas vezes considerado “frescura”.
Então, antes de entrarmos especificamente na depressão, acho muito importante falarmos dos sofrimentos mentais em geral.
Separar mente e corpo é algo cultural no ocidente, de modo que lidamos como se fossem duas coisas totalmente a parte uma da outra.
Quem nunca ouviu alguém dizer (ou inclusive já não disse) que “fulano não tem nada, é tudo apenas psicológico”?
Assim, será fundamental ir para além dessa visão limitada, buscando a compreensão de que corpo e mente compõem um todo integrado que nos constitui e nos caracteriza como pessoas e indivíduos únicos.
Então, corpo e mente mantêm uma interrelação constante fazendo com que um afeta diretamente o outro, tanto para o bem quanto para o mal.
Cuidando do sofrimento
Antes de tudo, é preciso entender que doença e sofrimento não são sinônimos. Existem pessoas que sofrem sem estarem doentes, enquanto também tem aqueles que estão doentes mas não sofrerem.
Assim, o sofrimento não precisa vir da doença, mas com certeza ele pode causar adoecimento (a sensação de se sentir doente).
Com isso, o que leva as pessoas a procurarem um atendimento médico é o seu sofrimento (e por isso podem se sentir doentes), mas não necessariamente estarão doentes. É claro que boa parte delas também estará doente, mas, mesmo assim, normalmente a doença não explica todo o seu sofrimento!
Nesse contexto, temos dois grande desafios:
- Cuidar de quem está doente mas não sofre: por exemplo, quem tem hipertensão e diabetes que são assintomáticos e as principais causas de doenças cardiovasculares (infarto, AVC, etc).
- Cuidar dos que sofrem sem estarem doentes: são as pessoas responsáveis pela epidemia de “depressão” e “ansiedade”.
Atenção às aspas! Não estou dizendo que depressão e ansiedade não sejam doenças, mas a maioria das pessoas que sofrem por se sentirem deprimidas ou ansiosas não fecham seus critérios diagnósticos!
Essa mentalidade é fundamental para acessar e acolher corretamente o sofrimento de quem procura um profissional da saúde, mas tomando os devidos cuidados para evitar o perigo dos diagnósticos excessivos!
O que causa depressão?
A depressão, assim como a ansiedade, é um problema multifatorial, ou seja, não tem apenas uma causa, mas várias. Vai ser justamente a combinação de vários fatores que poderá desencadeá-la.
De modo geral temos três principais mecanismos envolvidos na depressão:
- Genético: existem genes bem identificados que se relacionam com um risco elevado para o desenvolvimento da doença.
- Biológicos (bioquímica cerebral): baixos níveis de alguns neurotransmissores (moléculas de comunicação dos neurônios) como serotonina, noradrenalina e dopamina podem desregular a atividade cerebral, causando a depressão.
- Sociais: exposição a eventos ou meios ambientes estressantes podem desencadear a depressão em pessoas suscetíveis.
No entanto, vale relembrar, novamente, a diferença entre sofrimento e doença, pois, como colocado, a maior parte das pessoas terá um sofrimento não explicado por doença ou pelo menos não totalmente explicado por ela.
Assim, é importante reforçar o papel do mecanismo social no sofrimento mental, ressaltando alguns fatores de risco a ele relacionados:
- Mulheres podem ter até duas vezes mais sofrimento que homens, o que está mais relacionado a diferenças de gênero (papéis sociais) do que de sexo (biológicas).
- Baixa escolaridade, desemprego e menor renda se mostraram fatores de risco no Brasil e nos EUA.
- Cor da pele: pretos e pardos têm maior sofrimento mental em comparação aos brancos.
- Eventos marcantes: violência urbana ou situações de guerra/conflito armado; morte de parente próximo; situações de humilhação.
Definição, sintomas e diagnóstico de depressão
Existem diferentes subtipos de depressão, mas neste artigo abordarei apenas os seus dois principais por serem os mais comuns: depressão maior e transtorno depressivo persistente (ou distimia).
Depois, caracterizarei os sofrimentos mentais comuns que são ainda mais comuns, mas são sintomas que não fecham os critérios diagnósticos.
Depressão Maior
Segundo a Associação Americana de Psiquiatria (APA) , a depressão maior se caracteriza por humor deprimido (ou irritabilidade em crianças) ou perda de prazer ou interesse por pelo menos duas semanas acompanhado de, pelo menos, três dos seguintes sintomas presentes na maioria dos dias:
- Perda de peso ou alteração do apetite.
- Insônia ou sono excessivo.
- Pensamento e movimentos lentificados ou agitados.
- Fadiga ou perda de energia.
- Sentimento excessivo ou inapropriado de culpa ou sensação de inutilidade.
- Indecisão ou redução da capacidade para raciocinar/pensar/concentrar-se.
- Pensamentos recorrentes de morte ou ideação suicida ou tentativa de suicídio.
Transtorno Depressivo Persistente (Distimia)
Também pela APA, distimia se caracteriza por humor deprimido na maior parte do tempo por pelo menos dois anos com mais, pelo menos, dois dos seguintes sintomas:
- Sentimento de desesperança.
- Insônia ou sonolência excessiva.
- Perda ou aumento de apetite.
- Fadiga ou perda de energia.
- Baixa autoestima.
- Indecisão ou redução da concentração.
Em crianças e adolescentes, o humor pode ser irritado e a duração da depressão persistente precisa ser de pelo menos um ano.
Além disso, de modo geral, não pode haver um período assintomático (sem sintomas) superior a dois meses, os sintomas não podem ser explicados por outras condições clínicas ou uso de substâncias (drogas) e devem representar uma carga significativa de disfunção e sofrimento.
Sofrimentos Mentais Comuns
Já venho reforçando isso ao longo de todo o texto que a maioria das pessoas vai ter sofrimentos sem fechar os critérios diagnósticos das doenças, mas isso não pode ser justificativa para que elas não sejam cuidadas.
Na medicina de família, como lidamos com os problemas de saúde mais comuns de toda a população, esses casos serão mais frequentes do que as pessoas que apresentam todos os critérios diagnósticos.
Com isso, é extremamente comum nos depararmos com queixas de tristeza, desânimo, irritabilidade, perda de prazer pela vida, dificuldade de raciocínio ou concentração, ansiedade e medo que podem ocorrer como crises.
Geralmente, quem tem um desses sintomas tem os outros também. Além disso, esses pacientes também costumam apresentar problemas de sono e do apetite (para mais ou para menos), dores crônicas, difusas e inespecíficas, cansaço, coração acelerado, tontura e alterações gastrointestinais.
Todos esses sintomas são considerados como sintomas depressivos, ansiosos e de somatização (queixas físicas sem explicação médica/orgânica).
A maioria das pessoas apresenta sintomas dos três tipos ao mesmo tempo e variando entre três momentos: com pouco ou nenhum sintoma; com sintomas pouco intensos (subclínicos); ou com sintomas intensos (que “fecham diagnóstico”).
Entretanto, para o diagnóstico formal é necessário períodos constantes com intensidade suficiente para que a disfunção e o sofrimento sejam grandes, deixando muita gente no meio do caminho.
Por isso, na Medicina de Família, trabalhamos frequentemente essas três categorias de sintomas (depressivos, ansiosos e de somatização) dentro de uma mesma síndrome de sofrimentos mentais comuns, respondendo aos sofrimentos mentais mais comuns com os devido respeito e acolhimento ainda que sem todos os critérios diagnósticos!
Complicações da depressão
Suicídio e tentativa de suicídio
Sem dúvida essa é a complicação direta da depressão considerada a mais grave e geralmente a mais temida.
Nos EUA, ⅔ das pessoas que morrem por suicídio sofrem de depressão no seu ato e pessoas deprimidas tem cinco vezes mais chances de tentarem suicídio ao longo da vida do que aquelas sem um diagnóstico.
Outros problemas de saúde mental
Sintomas depressivos podem estar relacionados com diversas outras questões de saúde mental como ansiedade, transtorno do estresse pós traumático e uso de substâncias (drogas).
Problemas clínicos
A depressão aumenta significativamente os riscos de complicações relacionadas ao diabetes como cegueira, amputações e demência.
Além disso, pessoas com depressão, ainda que sem nenhum problema cardiovascular, têm 200% mais chance de desenvolverem doença cardíaca se comparadas com pessoas não deprimidas.
Como evitar as complicações da depressão?
É fundamental tratar adequadamente a depressão para evitar suas complicações!
O médico de família cuida de todas as pessoas, em todas as faixas etárias, sendo especialista nos problemas de saúde mais comuns, como a depressão, que é um dos sofrimentos mentais comuns.
Dr. Eduardo Tiburcio é médico de família no Rio de Janeiro formado pela UFRJ e tem vários anos de experiência no tratamento da depressão.
Na medicina de família, buscamos entender os valores principais do paciente para propor um cuidado específico às suas necessidades.
Isso é fundamental no tratamento da depressão, pois veremos que ele envolve muito além do que só tomar remédio.
Assim, entender os valores de cada pessoa é fundamental para que se possa reconhecer a validade do sofrimento mental e buscar o melhor acolhimento possível.
Tratamento da depressão
Não existe uma única linha possível para o tratamento da depressão que pode ser tanto medicamentoso como não medicamentoso.
A escolha de qual estratégia seguir pode se basear na intensidade/gravidade do quadro, no entanto, unir as duas abordagens, sem dúvida, promove uma otimização do tratamento.
Contudo, eu gosto sempre de ressaltar que não existe pílula mágica ou “solução fácil para problema difícil”! Então, acreditar que tomar um comprimido vai resolver todas as suas questões, geralmente, é se enganar.
Inclusive porque, como colocado anteriormente, os fatores sociais são geralmente a causa mais comum de origem do sofrimento mental e nenhum remédio irá mudar um contexto social ou um padrão de relacionamento interpessoal disfuncional.
Assim, gosto sempre de ressaltar a tríade do tratamento em saúde mental reforçando a importância ainda maior das estratégias não medicamentosas: medicação, psicoterapia e atividade física.
Tratamento Não Medicamentoso – Psicoterapia
Existem várias linhas de terapia possíveis para o correto tratamento da depressão. É importante que isso seja definido em conjunto com o paciente de acordo com suas preferências e valores para devida vinculação com o terapeuta.
A psicoterapia nos permite refletir sobre nós mesmos para identificarmos as causas e origens dos nossos sofrimentos. Isso favorece sua melhor compreensão e, assim, lidamos melhor com as nossas dores.
Muitas pessoas resolvem o sofrimento apenas de entender a sua origem e serem capazes de conscientemente perceberem-se vivenciando suas situações gatilho. Para essas pessoas, a autopercepção é suficiente para quebrar o ciclo vicioso do sofrimento.
Outras pessoas, entendem muito bem de onde vem o sofrimento mas ainda assim ficam presas nesse ciclo vicioso, sendo necessárias abordagens psicoterápicas mais práticas do que reflexivas para o desenvolvimento de habilidades que permitam a pessoa lidar de outra forma com o sofrimento.
Gosto de ressaltar que vejo benefício em um acompanhamento psicoterápico regular para todas as pessoas independentemente da presença ou ausência de qualquer tipo de sofrimento mental.
Ainda que você não esteja em sofrimento, percebo a psicoterapia como um exercício recorrente de autorreflexão e autoconhecimento.
Desse modo, ela nos permite crescer constantemente como pessoas ao nos conhecermos melhor, ajudando a prevenir sofrimentos futuros e a melhorar nossa relação com o mundo em geral.
Tratamento Não Medicamentoso – Atividade Física
A atividade física regular é uma forma adicional de tratar a depressão pois aumenta a sensação de bem estar, aliviando os sintomas da doença.
Caso seja realizada ao ar livre é ainda mais recomendada pelos efeitos positivos da luz solar no humor.
Manter um estilo de vida saudável em geral (alimentação adequada, consumo controlado de álcool e horas suficientes de sono) também melhoram o bem estar e podem ajudar.
Além disso, o estilo de vida saudável é uma forma de prevenir diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares, as quais podem ser agravadas pela depressão. Então, não faltam motivos para buscarmos as mudanças de estilo de vida!
Tratamento Medicamentoso
Existem diversas medicações eficazes disponíveis para o tratamento da depressão, incluindo opções naturais:
- Antidepressivos: certamente a classe mais importante, pois agem no mecanismo bioquímico da depressão.
- Ansiolíticos (populares “calmantes”): não tratam diretamente a depressão e nem sempre são necessários, mas podem ter benefício em pessoas com sintomas ansiosos associados. Sobretudo, se com crises de pânico.
- Erva de São João (Hypericum perforatum): opção fitoterápica com alguma evidência de benefício. Importante ressaltar que pode interagir com outras medicações como anticoncepcionais hormonais, anticoagulantes e anticonvulsivantes.
Assim, é importante que haja uma decisão compartilhada entre o médico e o paciente para que o tratamento seja adaptável à vida da pessoa e nunca o contrário.
Dessa forma, precisamos sempre esclarecer sobre o mecanismo de ação e efeitos adversos possíveis para que a pessoa fique a vontade com o seu tratamento.
Prevenção da recorrência da depressão
Apesar de a taxa de resposta ao tratamento da depressão ser boa, algumas pessoas têm uma resposta apenas parcial persistindo com sintomas mais leves, enquanto outras apresentam recidiva dos sintomas após um período de adequada resposta inicial.
Infelizmente, pessoas que já tiveram um episódio depressivo têm uma grande chance de terem novos episódios no futuro, os quais não necessariamente responderão da mesma forma ao tratamento.
Da mesma forma que existem fatores de risco para depressão existem fatores de proteção, os quais podem ser estimulados na sua prevenção.
Dentre eles, destacam-se a autoestima e a presença de relacionamentos de qualidade. Autoestima elevada é um protetor do sofrimento mental comum, bem como a percepção de se ter pessoas com quem contar.
A psicoterapia é o tratamento específico com maior evidência de capacidade de prevenir a recorrência da depressão, o que faz sentido quando entendemos os fatores de proteção da doença.
Certamente, a terapia ajuda as pessoas a reconhecer seu próprio valor, aumentando a autoestima, e a melhor visualizar sua rede de apoio.
Conclusão
Todo sofrimento mental comum é resultado do impacto emocional em nossas vidas, das condições sociais, do temperamento individual, da história de vida e da rede de apoio.
Assim, para o adequado acompanhamento da depressão, é importante ter uma abordagem que reconheça e considere os valores individuais, ou seja, centrada na pessoa.
Tem depressão ou ficou com mais alguma dúvida? Não deixe de marcar a sua consulta!
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A boa informação é sempre o melhor remédio!
Fontes e Leituras Complementares
Associação Americana de Psiquiatria (APA)
Ministério da Saúde – Reino Unido (NICE)